Já
acabou o mês de janeiro! Agora falta pouco. Melhor dizendo,
agora falta pouco tempo, mas muita coisa ainda para fazer antes
da tão esperada primeira decolagem brasileira para o espaço.
Incrível como o tempo tem “voado” ultimamente.
Olho no espelho. Meus cabelos estão cada vez mais brancos.
Ainda bem que as rugas me ajudam. Isto é, não me preocupo
em dizer minha idade. Elas, sem qualquer timidez, tomam a iniciativa
e já falam, em alto e bom tom, sobre cada um dos meus quarenta
e dois anos. Como tudo tem seu lado bom, pelo menos não preciso
mostrar a identidade para entrar em lugares proibidos para menores.
Grande vantagem! De qualquer forma, o fato do tempo passar rápido
demais parece ser resultado de dois fatores: primeiro devido à
intensidade das atividades atuais; segundo, porque depois dos quarenta
o tempo acelera mesmo. Bem, vamos deixar esse assunto de idade para
lá. Dá nostalgia. Sabe aqueles pensamentos do passado?
Lembranças bem antigas que voltam de tempos em tempos, principalmente
quando ficamos mais velhos?
Assim estou esta noite, sozinho nesse apartamento, protegido do
inverno de vinte e sete graus negativos, e recordando antigas conversas
com meu pai. E foram tantas, longas e serenas, enquanto caminhávamos
juntos para o trabalho, lá em Bauru. Eu tinha cerca de quinze
anos. Saíamos bem cedinho. Eu para as oficinas da RFFSA*,
ele para o IBC . Lembro especialmente dos dias de frio. Era difícil
levantar. Ele, calmamente, sentava ao meu lado na cama, balançava
meu ombro e dizia em voz suave: “Marcos! Marcos! São
seis horas. O café está pronto. Coragem! Vamos lá!”
No caminho, contava histórias de sua infância, de como
era a vida da nossa família antes do meu nascimento, do sacrifício
para conseguir colocar comida na mesa todos os dias, do suor, do
trabalho, da persistência, da luta de cada dia. E aquele,
como qualquer outro, era apenas mais um dia “daqueles”.
Mais um dia de luta.
Fecho os olhos e sinto o cheiro daquelas manhãs. O aroma
do café, a brisa fria no rosto com perfume de mato molhado.
“Capim Gordura”, que beirava a pequena estradinha de
terra que seguia paralela aos trilhos de trem. Tudo como se fosse
ontem. Num certo ponto, cruzávamos as linhas de trem e nos
despedíamos. Eu seguia só, no meu caminho, com os
meus pensamentos, como hoje.
Aquela foi uma época difícil. Aprendi muita coisa
sobre a vida através daquelas conversas, através do
exemplo de luta dos meus pais. E assim como eles, quantas outras
pessoas? Quantos brasileiros, espalhados por todo esse nosso país,
maravilhoso, também não lutam, na batalha do dia-a-dia,
ontem e hoje, para ganhar o pão e educar seus filhos, honestamente,
para o futuro. Saber quanto difícil é ganhar a vida.
Saber a consideração e o respeito que cada uma dessas
pessoas merece. Lições importantes que deveriam, sempre,
ser lembradas.
Com o pensamento ainda embevecido por todas essas recordações
e conceitos, volto rapidamente para a situação presente:
faltam menos de quarenta dias antes da partida definitiva para o
Cazaquistão e para os preparativos finais da decolagem. Nesse
momento, concentro-me na importância de aplicar todas as lições
aprendidas. Lições atuais e outras, muitas, do meu
passado. Sinto-me determinado a cumprir a minha parte, não
só no vôo, mas em tudo que estiver ao meu alcance,
para honrar de maneira produtiva o sacrifício dos meus pais
e, naturalmente, de cada um de nós, brasileiros que, como
eles, batalhamos todos os dias pela vida.
Assim, como parte dessa mesma idéia, acredito ser a hora
certa para iniciar a descrição da primeira missão
científica espacial tripulada brasileira. Dessa forma, minha
intenção é de apresentar, em uma sequência
de artigos semanais, um resumo sobre como é a estrutura existente,
como será a execução da missão e o que
está previsto para o pós-vôo. Logicamente não
serão descrições técnicas e administrativas.
Essas podem ser encontradas nos documentos correspondentes. A idéia
é uma apresentação simples de pontos básicos
do assunto.
Historicamente, essa missão começou há 8 anos,
em 1997, quando o Brasil ingressou no grupo dos 15 países
participantes do Programa da Estação Espacial Internacional**,
a EEI . Presidida atualmente pelo Dr. Sérgio Gaudenzi, a
Agência Espacial Brasileira - AEB é a instituição
nacional responsável por todas as ações e resultados
desse projeto. Por meio dessa participação, tivemos
direito de selecionar um astronauta brasileiro para ser treinado
na NASA e representar o país no espaço, como tripulante
da EEI. Assim, em 1998, através de concurso de seleção,
fui escolhido. Na parte técnica, o contrato internacional
firmado pelo Brasil prevê a construção no País
de equipamentos para a EEI. Depois de muitos anos e inúmeros
problemas, finalmente, pelo acordo firmado entre a AEB e o SENAI-SP,
com o apoio da FIESP, estamos produzindo as primeiras partes nacionais
a serem instaladas na espaçonave nos próximos anos.
Ótima notícia para a indústria nacional, que
agora tem, abrindo-se a sua frente, um mercado bilionário
de exportação de alta tecnologia.
Paralelo a tudo isso, ciente dos atrasos e restrições
operacionais causados pelo acidente com o ônibus espacial
Columbia, a AEB fez todas as negociações com a agência
espacial russa, Roscosmos, para que o vôo espacial que estrutura
a primeira missão espacial tripulada brasileira fosse executado
este ano, a bordo da EEI, acompanhado de experimentos nacionais
e com o translado feito por uma espaçonave Soyuz russa. O
fato da prévia participação nacional no programa
da EEI, associado à existência de um astronauta brasileiro
profissional, treinado pela NASA, permitiu que as negociações
fossem concluídas com sucesso entre o Brasil e Rússia,
um dos principais parceiros da EEI. Além disso, tais condições
também permitiram que o custo do projeto fosse reduzido à
metade do normal, assim como o treinamento pra o vôo espacial,
normalmente executado em dezoito meses, fosse planejado para cinco
meses. O contrato entre as duas agências para o vôo
espacial foi assinado em outubro de 2005.
De forma bastante resumida, estruturalmente essa missão pode
ser dividida em três áreas principais: administrativa,
técnica-científica e operacional. Toda a coordenação
da chamada “Missão Centenário”, está
a cargo da AEB, na pessoa do Gerente do Projeto da Participação
Brasileira na EEI, o Dr. Raimundo Mussi, responsável direto
por toda a administração do projeto.
A parte técnica-científica é dirigida pela
Dra. Marta Humman, que sob orientação direta do gerente
de projeto, é responsável, entre outros pontos, pela
seleção dos experimentos a serem executados a bordo
da Estação Espacial, preparação técnica,
testes, definição de procedimentos de execução,
planejamento de treinamento, aquisição e análise
de resultados durante o vôo e coordenação, em
tempo real, com os cientistas correspondentes.
A mim compete a parte operacional, conduzida através de um
vôo espacial, com duração total de dez dias,
durante o qual serão realizados os experimentos nacionais.
Portanto, está sob minha responsabilidade a execução
com sucesso do treinamento programado pela coordenação
do projeto e a realização no espaço dos experimentos,
conforme os procedimentos fornecidos pela AEB para essa atividade.
Nas próximas semanas descreverei os detalhes operacionais
da missão e do pós-vôo. Fique “na escuta”!
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RFFSA – Rede Ferroviária Federal. IBC –
Instituto Brasileiro do Café. |
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Detalhes sobre a Participação Brasileira na
EEI podem ser encontrados no website www.marcospontes.net |
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www.marcospontes.net |
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